quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Um cochilo e uma lembrança



É tudo tão breu que me dá medo, estou só, ouvindo o ruído do balanço que se movimenta com o vento. Sento-me na grama molhada, cansada de caminhar, sem me importar em sujar minha calça jeans desbotada.
Penso no que aconteceu há alguns meses atrás, quando eu era apenas uma garota normal que pensava que seria médica um dia.
Ao ver aquele rosto, me vem um arrepio na espinha, mas não era do ambiente, foi um arrepio que veio de dentro.  Se é que você me entende. Aqueles olhos, que me espreitavam como duas jabuticabas maduras, me condenavam de cima a baixo.
O rosto é de um moço, com os seus dezesseis anos de idade, cabelo modelado com gel, muito perfumado. Estávamos no refeitório onde almoçávamos todos os dias, um lugar pacato e acolhedor, com mesinhas beges todas enfileiradas e a bancada com as refeições adiante. Sorríamos ao cumprimentar a "tia" que servia a comida e sempre perguntava se queríamos mais molho (eu nunca queria).
Conheci o garoto pela Internet, conversando em uma rede social, bem no florescer de minha adolescência e logo que comecei a trabalhar em um escritório imobiliário. O trabalho era monótono, não havia muito para se fazer e eu conversava com o rapaz, sempre que tinha um tempo.
Logo nas primeiras palavras a afinidade apareceu, a necessidade de um pelo outro. Após algumas semanas ele me convida para sair. Eu havia beijado dois rapazes antes de conhecê-lo, sim, com dezesseis anos, não tinha e não tenho ainda muita experiência nesse ramo da vida. Veio a insegurança, pois com ele era diferente. O coração palpitava, parecia que ia saltar pela boca, as palavras fugiam e as pernas bambeavam.
As perguntas que não calavam: será que vai acontecer o beijo? Será que ele vai gostar?
Decidimos ir ao cinema e levamos duas amigas nossas. Ele pegou em minhas mãos. Perdi meu ingresso, mas conseguimos entrar (sim, que mico para um primeiro encontro, como sou cheia dessas). Nos abraçamos, o filme começa e eu ansiosa, dou-lhe um beijo na bochecha, sou retribuída com um beijo na boca. Nossos lábios parecem ter ímãs e não se desgrudam por um instante sequer. Esqueço de tudo, o mundo era só eu e ele naquele momento. Nunca havia me sentido assim e eu sabia que ele também estava sentindo tudo aquilo.
O filme acaba, saio da sala do cinema com o cabelo desarrumado, de mãos dadas com aquele que a partir daquele instante era o meu príncipe.
Aconteceu que tive que ligar pra minha mãe vir me buscar, a noite já ia alta. Ela brigou comigo, pois havia demorado mais do que o planejado e ela ficou preocupada. Me desconcertei, sempre me desconcerto com as broncas da minha mãe. Fiquei sem ação. Gelei só de pensar na bronca e na minha mãe de cara virada comigo.
Quase esqueço do momento mágico que havia tido alguns instantes atrás. Digo para irmos rápido. A amiga fala para nos despedirmos direito. O beijo já não foi à mesma coisa, a preocupação afetou tudo.
Minha mãe chega, aceno freneticamente e saio correndo e puxando a amiga em direção ao carro.
No dia seguinte ele tocou na festa de aniversário de uma amiga minha, ele é músico, esqueci de mencionar, tenho uma queda por músicos. Cumprimentei-o alegre e tímida, e ele foi frio e seco comigo.
Assim que conectei o computador, depois do ocorrido, vejo uma mensagem dele, dizendo que é melhor sermos só amigos. Bem típico. Meu orgulho falou mais alto e disse que tudo bem. Não ficou tudo bem.
Esse rapaz ficou por três anos seguidos em meus sonhos, em minha mente, em meu coração, em minha pele, em tudo, e ainda hoje perpassa minha mente de uma maneira mais leve e menos compulsiva.
Após uns seis meses de amor recolhido, resolvo falar sobre o que estava acontecendo comigo. Como sempre ele não teve palavras para me responder.
Foi-se um bom tempo, com as confusões sentimentais da parte dele, meus choros, muita raiva. Ele me dizendo que eu era infantil e eu xingando-o de tudo quanto é nome.
Passamos por tanta coisa, voltamos a ficar juntos novamente no cinema, depois de um ano e meio. Foi horrível.
Ficou decidido que estava acabado e eu tinha que aceitar. Nossos caminhos se separaram de uma maneira muito brusca.
Excluía o nome dele da minha lista de contatos. Mas eu sabia o telefone dele de cor e o e-mail também. Não se passavam duas semanas e lá estava eu, conversando com ele de novo, nós dois cheios dos apelidinhos carinhosos, como se estivesse tudo ok, tudo normal.
Falamos sobre sexo, mas nada fizemos. Sem combinações. Assunto esquecido.
O sol começa a despontar no fundo, começo a ver as cores das flores que permeiam o parque. Me levanto, devo ter cochilado na grama depois da caminhada, não sei como os guardas não me expulsaram, mas acho que viram que apenas uma garota inofensiva.
Fico eufórica, pois há muito tempo que eu não via aquele rosto, não sentia aquele cheiro amadeirado de perfume caro. Hoje ele é só uma lembrança distante.
Continuo em muitos aspectos como em meus 16 anos, a não ser pelo fato de que não serei médica e sim professora e não tenho um príncipe encantado.
Muitos horizontes de cultura e de conhecimento se abriram, mas no amor ainda sou uma criança imatura.

Nenhum comentário:

Postar um comentário